Carta da Eliane Cavalleiro ao Presidente Lula - Dia da Consciência Negra

20 de novembro de 2010

Brasil, 20 de novembro de 2010, Dia da Consciência Negra
Por um Estado que proteja as crianças negras do apedrejamento moral no cotidiano escolar

Excelentíssimo Presidente da República Federativa do Brasil, Sr. Luís Inácio Lula da Silva,
Em um ato político e humano, vossa excelência ofertou asilo a Sakneh Mohammadi Ashtiani como forma de preservar-lhe a vida, visto que a mesma corre risco de ser apedrejada até a morte física em seu país, o Irã.
Se me permite a analogia, pelo exemplo que vossa senhoria encarna para a Nação, creio que seria, além de político e humano, um gesto emblemático e valoroso se  vossa senhoria manifestasse sua preocupação e garantisse “proteção” às crianças negras inseridas no sistema de ensino brasileiro, zelando por sua sobrevivência moral e sucesso em sua trajetória educacional. Como vossa senhoria já afirmou: “Nada justifica o Estado tirar a vida de alguém”, e, no caso do Brasil, nada justifica que o Estado colabore para fragilizar a vida emocional e psíquica de crianças negras, propiciando uma educação que enseja uma violência simbólica, quando não física, contra elas no cotidiano escolar. Sim, a violência diuturna sofrida pelas crianças negras no espaço escolar pode, em certa medida, ser comparada ao apedrejamento físico, visto que o racismo e seus derivados as amordaça. Assim, emocionalmente desprotegidas em sua pouca idade, as crianças passam a perseguir um ideal de “brancura” impossível de ser atingido,  fazendo-as mergulhar em um estado latente, intenso e profundo de insatisfação e estranhamento consigo mesmas.  
É fato que as crianças em geral não possuem natureza racista, mas a socialização que lhes é imposta pela sociedade as ensina a usar o racismo e seus derivados como armas para ferir as criança as negras, em situacões de disputas e até simplesmente para demarcar espacos e territórios, bem ao exemplo dos padrões da sociedade mais ampla. A escola constitui apenas mais uma instituição social na qual as características raciais negras são usadas para depreciar, humilhar e excluir. Assim, depreciadas, humilhadas e excluídas pela prática escolar e consumidas pelo padrão racista da sociedade, as crianças negras têm sua energia, que deveria estar voltada para o seu desenvolvimento e para a construção de conhecimento e socialização, pulverizada em repetidos e inócuos esforços para se sentir aceita no cotiano escolar.
Se há no Irã - liderados pelo presidente Mahmoud Ahmadinejad - um grupo hegemônico que, embasado em uma interpretação dogmática do Islamismo e na particular percepção do que é legitimo, detém o poder de vida de  morte sob as pessoas, não menos brutal no Brasil, temos um grupo no poder que, apesar de não deliberar explicitamente pela morte física de negros e negras, investe pesadamente na manutenção da supremacia branca, advoga pelo não estabelecimento de políticas que promovam a igualdade, e nega sistematicamente qualquer esforço pela afirmação dos direitos dos afro-brasileiros.
Excelentíssimo, a supremacia branca mina as bases de qualquer perspectiva de justiça social. A  eliminação do racismo e de seus predicativos depende do questionamento do poder branco, visto que a subalternização dos negros é fonte permanente de riqueza, prosperidade e garantia de poder arbitrário e absoluto. Não seria está também uma forma de matar e de exterminar? Não estaria aí um protótipo do modelo de genocídio à brasileira?
Nossa aposta, sr. presidente, é que estando sob um regime democrático - ainda que permeado por estrutura historicamente racista que nega aos negros os direitos de cidadania – possamos contar com  os órgãos públicos competentes no dever legal de zelar pela igualdade substantiva. Neste sentido, o Ministério da Educação (MEC) encontra-se submetido às leis nacionais e aos tratados internacionais promulgados pela ONU, o que legitima nosso direito de exigir que, sendo o órgão representante do Estado brasileiro no campo da educação, promova o bem estar de nossas crianças, e que não contribua, portanto, para a sua dilapidação moral.
Senhor Presidente, que legitimidade tem um governo que abraça o projeto político de ‘um país de todos”, mas que investe recursos públicos na disseminação de uma pedagogia racista entre os seus pequenos cidadãos? Um Estado que compra e envia para as escolas material pedagógico que contém estereótipos e preconceitos quer sejam étnicos, raciais e/ou de gênero pode ser compreendido como um Estado que fornece combustível ideológico para que a humanidade dos indivíduos tidos como ‘diferentes’ seja desconfigurada. Não nos parece que é a proposta política deste governo incentivar e disseminar  ideologias racistas que promovem a deterioração da identidade e da autoestima da criança negra. 
É neste sentido, senhor presidente, que a contenda sobre o livro de Monteiro Lobato deve ser vista apenas como mais um episódio em que os negros aparecem como inconvenientes e não encontram solidariedade por parte dos formadores de opinião e representantes da administração pública. Talvez tais agentes  fossem mais solidários com a luta anti-racista caso os materiais pedagógicos contivessem referências depreciativas em relação às suas identidades.  Talvez conseguissem perceber o escárnio se as personagens obesas fossem referidas como aquelas que “comem como uma porca cebosa”. Talvez se motivassem a protestar caso um livro contivesse um padre católico apresentado como “lobo que devora criancinhas”.  Talvez também fossem contrários à distribuição de obras clássicas que contivessem a idéia preconceituosa de que: “os políticos agem no escuro como ratos ladrões”.
Entretanto, senhor presidente, ter no livro de Monteiro Lobato personagem negra que “sobe na árvore como macaca de carvão” é visto como algo absolutamente natural e que deve ser mantido para preservar a liberdade de expressão. No fundo querem que nós negros e negras subscrevamos tal obra como um elemento histórico que, constitutivo da “democracia racial brasileira”, deve ainda ser difundido nas escolas, a despeito dos estragos que possa produzir na formação de nossas crianças brancas e negras.
Aceitar tais práticas insidiosas é negar a nós mesmos e rasgar o histórico de resistências que marca a identidade negra.  Não podemos aceitar que nossas crianças negras sejam sacrificadas e usadas para o entretenimento, deleite e regogizo das crianças brancas. E nós, seus pais e educadores,  lamentaríamos ver nossas crianças obrigadas a se defenderem de pedradras usando pedras contra “Pedrinhos”. 
A era da inocência acabou, como nos lembra a militância negra! Os chamados textos clássicos não representam a última (sacrosanta) palavra sobre o mundo social. Não é segredo que muitos dos textos sob tal categoria  são na verdade a bíblia da dominação branca-masculina-heterosexual, representando uma falsa imagem sobre quem somos. Propicia, por exemplo, que homossexuais sejam agredidos no cotidiano escolar e/ou na calada da noite, nas esquinas escuras das nossas cidades. 
Uma educação que oferta estereótipos étnicos, raciais, de gênero e/ou homofóbicos facilita que jovens, ainda que supostamente “bem educados”,  organizem práticas criminosas como o “rodeio das gordas”, ocorrido na UNESP ainda agora. É pelo investimento possessivo na supremacia branca, assegurado pela desumanização dos negros, que pessoas queimam índios e moradores de rua; é a partir de uma educação sexista que jovens tornam-se preconceituosos a ponto de espancar mulheres em pontos de ônibus, por acreditarem que são prostitutas. É a sistemática exposição de nossos meninos e jovens a idéias e práticas machistas que constitui terreno fértil para que quando homens crescidos, diante da percepção de ameaca á sua masculindade, assassinem suas namoradas, esposas e/ou amantes, conforme constatamos nos nossos noticiários.
Assim, senhor presidente, trata-se de legítimo e necessário o parecer do Conselho Nacional de Educação - CNE/CEB Nº: 15/2010, sobre as medidas de combate aos estereotipos e preconceitos na literatura. Não se trata de censura política, como se quer passar, mas de proteção social das nossas crianças. Pois, assim como um buquê de rosas que apesar da beleza contém espinhos pontiagudos, os livros com teor discriminatório ferem. Alguns ferem de maneira profunda e indelevelmente marcam trajetórias de vida. Logo,  podemos questionar se um educador que, ao dar a rosa, alerta sobre a existência de espinhos, estaria censurando a existência da rosa e banindo-a do jardim, ou estaria apenas, responsável que é, cumprindo o dever de proteger a criança pequena? 
Há que se ter cuidado com nossas criancas que, a partir de sua próspera administracao, sr. presidente, mais cedo adentram o cotidiano escolar. Se elas entram mais cedo na escola, é fato que também  experienciam mais cedo o  contato sistemático com um cotidiano discriminatório, repleto de violência racial, vivendo precocemente a dor e o sofrimento de serem desumanizadas com qualificativos  como macaco e urubu, assim como Monteiro Lobato dissemina em suas histórias.
Infelizmente, sr. presidente, nós negros adultos, ainda que tenhamos sobrevivido a esses mesmos sofrimentos em nossas histórias de vida, não conseguimos encontrar remédio eficaz para curar a dor que corrói a alma de nossas crianças pequenas. Não descobrimos ainda palavras mágicas que apaguem da memória de nossas crianças a vergonha da humilhação e do escárnio público. A valorização da beleza de nossa pele e o histórico de luta de nosso povo apenas amenizam o sangramento moral. É difícil se contrapor a um ideal de beleza e de sucesso que reserva um lugar inferior na sociedade aos indivíduos de pele negra. 
Sr. Presidente, em nome de seu legado que engrandeceu este país e retirou da miséria milhões de brasileiros, não permita que, sob sua administração, mesmo nestes momentos finais, prevaleça um modelo de Educação que, apenas assentado em discursos contra o racismo e o preconceito racial, utiliza-se do poder e dos recursos públicos para a compra de materiais que veiculem estereótipos e idéias preconceituosas perniciosas para milhões de crianças, futuros cidadãos, que no futuro poderiam lembrar-se não destas “leituras”, mas sim das incomparáveis conquistas da era Lula. 
Vossa senhoria que afirmou em seus discursos a importância do combate ao racismo na sociedade;  que, através da primeira  lei assinada em seu governo - Lei 10.639, em 09 de janeiro de 2003, tornou obrigatório  o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, observe atentamente para que os profissionais do Ministério da Educação não contradigam os seus pronunciamentos públicos. Talvez, sr. presidente, não haja mais tempo para corrigir o descaso desses para com as políticas de educação em áreas quilombolas, visto que os recursos empenhados no orçamento 2009, sequer, até a presente data, foram utilizados para o pagamento dos convênios aprovados, impossibilitando assim que as escolas quilombolas recebam material didático e pedagógico adequados. Certamente não há mais tempo para elaboração e distribuição de livros para subsidiar a prática pedagógica anti-racista, visto que a política foi interrompida em 2006 juntamente  com o fim do Programa Diversidade na Universidade – que mesmo tendo recebido o aval positivo do BID para uma segunda edição ampliada, por ter sido avaliado como um programa modelo para a América Latina, não contou com a aprovação das gerências superiores do MEC. 
Infelizmente, excelentíssimo presidente, não há tempo também, certamente, para lograr as metas de formação de professores e professoras para a educação das relações etnicorraciais, visto que as secretarias de educação estaduais e municipais, devido à ausência de uma consistente campanha de combate ao racismo na educação, comandada pelo MEC, pouco se engajaram para alcançar esse objetivo. 
Essa triste realidade, sr. presidente, atesta que Fernando Haddad, ministro da educação, deixará, infelizmente no legado de seu governo, a triste memória de um trabalho inexpressivo no que concerne à políticas públicas para o combate ao racismo e a valorização da história e cultura afro-brasileiras. Ele que, mesmo tendo a faca e o queijo nas mãos, pouco fez para o fortalecimento da educação anti-racista e anti-discriminatória no país, encerra seu mandato sinalizando aliança com vertentes contrárias às conquistas sociais, dificultando, assim, que o Conselho Nacional de Educação cumpra o papel que lhe é devido.  A devolução do parecer CNE/CEB Nº: 15/2010 dá bem a dimensão do retrocesso político e concretiza  uma velada censura às políticas de combate ao racismo pelo MEC. A atitude do ministro Haddad traduz sua vontade política e fornece elementos para compreendermos o porquê do inexpressívo desenvolvimento das políticas anti-racistas no interior do MEC e, a partir dele, nos sistemas de ensino.
Assim presidente, o senhor que compreende o combate ao racismo como uma luta pela justica social, não permita que o Estado brasileiro retroceda nas conquistas dos direitos dos afro-brasileiros: não deixe sua consciência passar em branco! Relembrando suas palavras am relação à dívida do Brasil para com o continente africano: "Têm coisas que a gente não paga com dinheiro, mas com solidariedade, companheirismo e sentimentos", seja solidário à Sakneh, mas também aproveite o 20 de novembro e renove o seu compromisso com  o  Brasil negro.  Em nome das crianças negras e brancas, em nome dos filhos do Atlântico negro,  manifeste-se favoravelmente às orientações do Parecer CNE/CEB Nº: 15/2010(http://www.euconcordo.com/com-o-parecer-152010).
Respeitosamente, 
Eliane Cavalleiro

Doutora em Educação pela Faculdade de Educacao da USP, 2003 – coordenadora executiva de Geledés – Instituto da Mulher Negra, de 2001 a 2004; coordenadora de Diversidade da SECAD/MEC, de 2004 a 2006; ex-professora adjunta da Faculdade de Educacao da UNB – de 2006 a fev/2010; presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores negros, de 2008 a jul/2010, é cidadã brasileira, que luta para que seus netos e bisnetos e demais gerações tenham o direito a uma verdadeira educação anti-racista.

Brasil 2011: Estado festejará Ano Internacional dos Afrodescendentes distribuindo livro racista nas escolas

12 de novembro de 2010




Eliane Cavalleiro*

A sociedade competitiva e os preconceitos geram uma violência que deve ser combatida pela escola. Ensinar a viver juntos é fundamental, conhecendo antes a si mesmo para depois conhecer e respeitar o outro na sua diversidade. A melhor maneira de resolver os conflitos é proporcionar formas de buscar projetos e objetivos em comum, através da cooperação, pois assim ao invés de confrontar forças opostas, soma-se a diversidade para fortalecer as construções coletivas (Jacques Delors, UNESCO, MEC, Cortez Editora, São Paulo, 1999).

De acordo com Delors, a transmissão de conhecimento sobre a diversidade humana, bem como a tomada de consciência das semelhanças e da interdependência entre todos os seres humanos do planeta constituem fundamentos da educação. Entretanto, às vésperas do Ano Internacional dos Afrodescendentes, o Ministério da Educação do Brasil rejeita consideração do Conselho Nacional de Educação, que atento às Leis que regem a Educação Nacional, pondera sobre a distribuição do livro de literatura infantil Caçadas de Pedrinho[1], de Monteiro Lobato, que, originalmente publicado no ano de 1933, difunde visão estereotipada sobre o negro e o universo africano, apresentando personagens negras subservientes, pouco inteligentes, até mesmo aludindo a animais como o macaco e o urubu quando se referem à personagem negra, como no trecho: trechos da obra dizem: "Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou, que nem uma macaca de carvão".
Os movimentos sociais negros há tempos reivindicam ação substantiva por parte do Estado brasileiro em políticas públicas para a educação das relações étnico-raciais. Os movimentos sociais brancos e a elite, por sua vez, recusam toda e qualquer medida que visa combater o racismo e seus derivados na sociedade brasileira. Por sua vez, identificam-se setores progressistas da sociedade que lutam pelos direitos humanos, direitos das mulheres, gays e indígenas, mas que infelizmente se calam diante da luta antirracista.
Na questão em debate, de maneira previsível, debocham da pesquisadora e professora universitária e conselheira do CNE Nilma Lino Gomes, responsável maior pelo parecer, que possui formação intelectual que não fica atrás de nossa elite branca, uma vez que possui doutorado pela Universidade de São Paulo e Pós-Doutorado na Universidade de Coimbra, sob orientação de um dos maiores nomes da intelectualidade atual, a saber, Boaventura de Sousa Santos é. Mesmo com esse histórico intelectual, ela tem sido vista pelos racistas de plantão como incompetente e racista ao inverso. Isso somente reforça a obsessão pela continuidade da estrutura racista em nossa sociedade. Sobre o autor, Monteiro Lobato, nascido no século XIX, eugenista convicto, diz-se apenas ser uma referencia clássica. Certamente uma clássica escolha da elite nacional, que do alto de sua arrogância e prepotência acredita que seus eleitos sejam intocáveis e não passíveis de qualquer crítica e consideração.
O MEC tem o dever de combater qualquer tipo de situação discriminatória para qualquer grupo racial. Assim, o que deve ganhar nossa atenção nessa contenda é o fato de que mesmo o edital do PNBE/2010, estabelecido pelo MEC/FNDE, ter traçado como objetivo a “Observância de princípios éticos necessários à construção da cidadania e ao convívio social republicano” e ter estabelecido, conforme anexo III do referido edital, que “Serão excluídas as obras que: 1.3.1. veicularem estereótipos e preconceitos de condição social, regional, étnico- racial, de gênero, de orientação sexual, de idade”, temos um ministro que defende a distribuição irrestrita do livro por compreendê-lo como adequado para a educação de crianças em pleno processo de socialização.
Considerando que os doutos e doutas que administram o MEC leram Jaques Delors, Paulo Freire, Edgar Morin e tantos outros que adoram citar, não se pode alegar ingenuidade por parte da equipe diretiva do MEC, que aceitou parecer favorável à compra e à distribuição desse livro nas escolas públicas, cujo conteúdo fere o próprio edital por eles instituído. O que deve tomar o centro dessa discussão é o fato de o MEC anunciar uma política que vai ao encontro do disposto nas leis e também das reivindicações dos movimentos negros organizados, em nível nacional e internacional, mas na prática permitir o descumprimento de seu edital.
Ao ferir o edital, o próprio MEC abre precedente para que que as editoras, cujas obras tenham sido excluídas por veicularem estereótipos, reivindiquem também a distribuição dos livros excluídos.  Por que somente Lobato com estereótipo racial? Que tal o MEC também distribuir literatura sexista? Que tal textos com manifestações anti-semitas?  Será que assim a  sociedade se incomodaria?
Mas, por enquanto, mais uma vez magistralmente setores conservadores e/ou tranquilos com as consequências da discriminação racial nesta sociedade buscam inverter a discussão, de modo a que o maior problema passe a ser o tal “o racismo ao revés e a radicalidade dos movimentos negros”, e joga-se para debaixo do tapete o que deveria ser o centro da análise: o esfacelamento dos objetivos de combater a disseminação de estereótipos e preconceitos na política do PNBE, MEC.
Sejamos de fato coerentes e anti-racistas, reconheçamos a não-observação aos critérios do estabelecidos no Edital do PNBE/2010, insistamos na pergunta e exijamos do MEC uma pronta resposta: o que de fato ele tem realizado, quanto tem investido e qual a consistência e a efetividade de suas realizações, sobretudo em comparação com o que tem investido nas demais questões ligadas à diversidade e aos grupos historicamente discriminados? Dos livros selecionados pelo PNBE 2010, quantos favorecem a educação das relações de gênero? Quantos promovem o conhecimento positivo sobre a história e cultura dos povos indígenas?  Se o MEC tivesse respeito por nós, seríamos informados sobre o cumprimento das metas para a implementação do artigo 26ª da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) (Lei n. 9394/96), que se refere à obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras, indo ao encontro de tratados internacionais como a Convenção Contra a Discriminação na Educação (1960) e o Plano de Ação decorrente da III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Intolerância Correlata (2001), ambos sob os auspícios da Unesco.
Em 17 de abril de 2008, em entrevista à Agência Brasil, apos receber críticas sobre o retrocesso nas políticas para o combate ao racismo, o diretor do Departamento de Educação para Diversidade e Cidadania do MEC, Armênio Schmidt, confirmou a suspensão da distribuição de material didático e de ações de formação de professores na área étnico-racial em 2007. Segundo ele, a interrupção, apenas externa, nas ações voltadas à questão racial ocorreu por causa das mudanças no sistema de financiamento do MEC. Para o diretor tal suspensão se justificava pelo fato de o MEC estar, em 2007, “construindo uma nova forma de indução de políticas, de relação com estados e municípios, que foi o Programa de Ações Articuladas”. Para ele: “Durante o ano passado [2007] realmente não houve publicações e formação de professores. Mas, na nossa avaliação, não houve um retrocesso, porque isso vai possibilitar uma nova alavanca na questão da Lei [10.639]. Agora estados e municípios vão poder solicitar a formação de professores na sua rede, e o MEC vai produzir mais publicações e em maior número”[2].
Em 2010, além de não percebermos o fortalecimento da política, tampouco a retomada das publicações e uma consistente e sistemática formação de professores, flagramos o MEC permitindo a participação de livro cujo conteúdo veicula estereótipos e preconceitos contra o negro e o universo africano, constituindo assim flagrante inobservância das normas estabelecidas.
O atual presidente Lula, em seu começo de mandato, evidenciou, no campo da educação, a importância do combate ao racismo, promulgando a Lei 10.639/03, que, como já mencionado, alterou a LDB, tornando obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileiras na Educação Básica. Tal alteração contou com a pronta atenção do CNE, que, sob responsabilidade da conselheira Petronilha Beatriz Goncalves e Silva, elaborou as Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino das Relações Étnico-Raciais e de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (CNE/CP 3/2004), cuja homologação foi assinada pelo então ministro da Educação, Tarso Genro. Contudo, embora conte com 83% de aprovação por parte da população e tenha ao longo de seu mandato visitado várias vezes o continente africano e discursado eloquentemente sobre a necessidade de reconhecimento do valor dos afrodescendentes na formação de nosso Estado Nacional, ele encerra seu mandato permitindo  um declínio acentuado na elaboração e na implementação de políticas anti-racistas no campo da educação.
Se em 2003 podíamos reconhecer, ainda que timidamente, o fato de o combate ao racismo fazer parte da agenda política brasileira; em 2010, devemos denunciar o descompromisso com essa luta. Descompromisso que pode ser percebido pela redução acentuada do orçamento para a educação das relações raciais, pelo enxugamento da equipe de trabalho da Coordenação Geral de Diversidade e Inclusão Educacional/SECAD/MEC, responsável pela implementação das ações de diversidade étnico-racial. Ainda vale ressaltar que houve a retirada do portal de diversidade da rede do MEC; a interrupção de publicações sobre o tema para a formação de profissionais da educação, pelo frágil apoio que das secretarias de educação para o cumprimento do proposto no parecer CNE/CP 3/2004. Essas constituem algumas referências negativas, entre várias outras apontadas pelos estudos sobre o tema.
Nós negros, cidadãs e cidadãos, que trabalhamos duramente longos anos para a eleição do presidente Lula esperávamos mais. Esperávamos mais tanto do presidente quanto da sua equipe executiva que administra a educação brasileira. Esperávamos minimamente que ao longo desses anos a equipe tivesse compreendido o alcance e o impacto do racismo em nossa sociedade. Esperávamos que eles, respeitando os princípios de justiça social, independentemente dos grupos no poder, emitissem manifestações veementes pelo combate ao racismo na educação. Pelo visto as promessas de parcerias e acolhimento das nossas considerações eram falsas.
O que temos como resposta, para além do silêncio de toda Secretaria de Educação, Alfabetização e Diversidade, é o posicionamento por parte do ministro, que não vê racismo na obra, colocando-se favorável à sua distribuição irrestrita, que, em companhia de outros elementos no cotidiano escolar, sabemos, contribuirá para a formação de novos indivíduos racistas, como já se fez no passado. Sem dúvida, o discurso do ministro mostra-se engajado com sua própria raça, classe e gênero. O mais irônico é saber que em pleno século XXI o Brasil será visto como um país que avança na economia e retrocede nos direitos humanos da população negra.
Muitos admiram Monteiro Lobato. Eu admiro Luiz Gama que se valeu das páginas da imprensa em defesa da liberdade dos escravizados e disse, sintetizando nossa ainda atual resistência cotidiana: “Em verdade vos digo aqui, afrontando a lei, que todo o escravo que assassina o seu senhor, pratica um ato de legítima defesa”. O conhecimento é a arma que dispomos para lutar pela defesa de nossa história, nossa existência, bem como do futuro de nossos filhos e filhas. Essa é uma luta desigual, portanto desonesta. Mas ainda que muitos queiram nosso silêncio, seguiremos lutando e denunciando essa forma perversa de racismo que perdura na sociedade brasileira.



* Eliane Cavalleiro é educadora, professora da Universidade de Brasília (UnB), escritora, autora dos livros ‘Racismo a Anti-Racismo na Educação: Repensando Nossa Escola’ e ‘Do Silêncio do Lar ao Silêncio da Escola’. É presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros.
[1] Tal obra foi selecionada pelo Programa Nacional Biblioteca na Escola/2010, que objetiva a “seleção de obras de apoio pedagógico destinadas a subsidiar teórica e metodologicamente os docentes no desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem nos respectivos campos disciplinares, áreas do conhecimento e etapas/modalidades da educação básica” (Brasil. Edital PNBE 2010. Brasília: MEC/FNDE, 2010).
[2] Agência Brasil. Pesquisadora aponta retrocesso na política de combate ao racismo nas escolas. Disponível em: http://verdesmares.globo.com/v3/canais/noticias.asp?codigo=216721&modulo=450. Acessado em: novembro de 2010.

Fonte:  Recebido por e-mail, visto no portal Geledés e autorizado a publicação aqui pela própria Eliane Cavalleiro.

Censura ou construção da igualdade racial?

9 de novembro de 2010

Normatiza do CNE, “censura” e estratégias diversionistas: a questão do negro no livro didático, paradidático e infanto-juvenil
 

Nos últimos dias, fomos “assaltados” mais uma vez pela mídia, que, em parte, vive de escândalos e da descrição de uma realidade sem, às vezes, fazer uma crítica mais rigorosa e sistemática. O assunto do momento é, como gostam de colocar, a “censura” do Livro “Caçadas de Pedrinho”. O referido livro foi apontado pelo parecer do Conselho Nacional de Educação, órgão colegiado ao Ministério da Educação, como uma obra que contém trechos considerados racistas. A partir disso, a discussão tomou âmbito nacional e pude acompanhar alguns fóruns de comunidades no orkut e no próprio fórum do meu curso de especialização, que está discutindo “educação das relações étnicorraciais”. 

O assunto em torno do livro do livro do Monteiro Lobato é interessante, polêmico e pertinente! Como qualquer cidadão, devemos nos posicionar perante a realidade e fazer a nossa escolha. Acredito que é com esses temas (e com essa discussão) que (pelo menos) mobilizamos nossos pensamentos e começamos a nos questionar das nossas próprias escolhas, das nossas próprias opiniões e podemos também adotar um comportamento diante disso.

Por isso, questiono:  Qual a importância de discutir raça/etnia? Qual o papel da educação infantil e do ensino fundamental? Qual a importância das histórias infanto-juvenis? Essas são algumas perguntas que devem permeiar esse debate em torno do livro do Monteiro Lobato. Eu, particularmente, acredito que precisamos nos posicionar diante das teorias, fatos, ideias, conjecturas, etc. Penso que a educação não é neutra, quer queira quer não. Portanto, a educação é política. Nossos atos estão “impregnados” de valores, concepções, etc. Nossa ação é intencional, quer tenhamos consciência disso ou não. A própria escolarização formal caracteriza-se por uma intervenção sistemática, intencional e rigorosa que tem por objetivo, dentre outras coisas, “disciplinar” o sujeito. Conhece para governar é o grande lema! Enfim, precisamos nos posicionar e o não posicionamento é um posicionamento!

Sendo assim, considerei que, quando vamos discutir esse assunto, mobilizamos uma estratégia “diversionista”, nos termos do Junqueira (2009, p. 181, grifos e acréscimos meus), que é um tipo de estratégia que

“[...] aproxima-se da negação interpretativa, mas dela se distingue porque aqui o interlocutor, ao admitir a homofobia [e o racismo], exibe maior preocupação em introduzir novos problemas, apresentar argumentos fantasiosos e discutir aspectos nitidamente escapistas ou pouco relevantes, procurando dar novo rumo à discussão”.

Isso se verifica ao colocar Monteiro Lobato como “um clássico” e desconsiderar a problematização da questão que é no fundo discutir o racismo no livro didático, paradidático e infanto-juvenil, mas também questionar sobre quais livros são apropriados para todas as crianças. Aqui também pode entrar outra estratégia diversionista, qual seja: “qual é a idade adequada para as crianças saberem sobre racismo?”

Temos que lembrar sempre da História. E, nesse sentido, temos que reconhecer que “[...] começa-se a desenvolver uma preocupação com o negro no livro didático e paradidático no Brasil em 1950 [...] (NEGRÃO, 1988 apud SOUSA, 2001, p. 195). Como nos alerta Ribeiro (1996, p. 172 apud SOUSA, 2001, p. 195), a literatura infantil, didática e paradidática

[...] está carregadíssima de exemplos lamentáveis. Para a construção de um autoconceito favorável, é preciso que o ideal de ego não se mostre irrealizável, e fundamental para isso é o resgate da beleza, poder e dignidade das diversas etnias africanas. À criança afro-brasileira falta o modelo de Belo Negro.

Diante disso, o problema, é que nem todos(as) os(as) professores(as) tem “conhecimentos e competências necessárias” (quais são os conhecimentos e competências necessárias? Isso também gera outra discussão!) para trabalhar o racismo em uma literatura infanto-juvenil. Considerando isso, é mais fácil que o racismo seja realmente “introjetado” pelas crianças e a discussão passe sem a devida intervenção com a voz entoada dos contos de fadas. É possível também, por meio dessa literatura, reforçar e legitimar estereótipos e incentivar “apelidos” por parte dessas crianças! A questão é, repito, quais livros são indicados para as crianças lerem? Por que livros sobre sexo não são indicados, mas livros sobre racismo o são?

Eu, particularmente, por um lado, acredito que as histórias de discriminação não devem ser excluídas dos livros, materiais, mídia, etc., mas elas devem ser “o foco” principal da história e não estarem nas entrelinhas, como podemos notar na obra de Monteiro Lobato. Adjetivações, comparações e afirmações, como as que ele usa “nem Tia Nastácia, que tem carne negra (escapou)”, geralmente, são feitas nos finais de frases e discursos e são “aceitas” como “verdadeiras” pelos(as) professores(as) e pelas crianças.

Monteiro Lobato representou uma tendência na literatura infanto-juvenil que já está superada. Outros(as) autores(as) desde 1980, a exemplo Ziraldo, que foi “inovador” para época ao escrever “O menino marrom”, embora usando essa expressão eufemística, estão constituindo uma nova geração da literatura infanto-juvenil no Brasil. Uma literatura da beleza de todas as identidades. Uma literatura que não se limita a ver o(a) negro(a) restrito às atividades domésticas e aos cuidados dos filhos, como a Tia Nastácia. Uma literatura que tem objetivo de construir um novo imaginário social, um processo de construção da identidade menos negativo e menos traumático,

[...] pois as imagens que moram em nossas mentes desde a infância influenciam nossos pensamentos durante a vida e podem contribuir (se não forem estereotipadas, inferiorizadas) para a auto-estima e aceitabilidade das diferenças, visando uma vida adulta feliz. Para isso essas imagens precisam mostrar nossa “cara”, força e cultura a todos. Dessa forma, possivelmente, os gestos e as atitudes dos seres humanos serão mais éticos, justos, menos etnocêntricos, plurais, enfim, democráticos (SOUSA, 2001, p. 1996).
Nesse sentido, considerando o histórico das lutas do(s) movimento(s) negro(s) e a política de construção de currículos que recriminem o racismo e promovam a igualdade racial, considero que é fundamental não utilizar a referida obra na escola, como forma de mostrar que os valores atuais que precisamos incentivar são outros. Se os pais quiserem comprá-la que o façam.

Outra estratégia “diversionista” é situar o parecer do Conselho Nacional de Educação como uma “censura”. Essa é uma estratégia discursiva que está sendo usada a favor da reprodução dos estereótipos, preconceitos e discriminações contra diversos grupos historicamente excluídos. Tentam justificar que a “liberdade de expressão” está sendo “violada”. Que vivemos em uma censura “moderna/velada”. Não vamos cair nesses discursos apelativos que só defendem a posição de privilégio que eles ocupam. Estamos falando de “seleção de conteúdos” que é tarefa realizada diariamente pela escola, pelos(as) professores(as) e pela política educacional. Não estamos falando de “censura”. O livro jamais será censurado. Ele só não será escolhido como parte do Programa Nacional de Bibliotecas Escolares. E os novos escritores(as), onde estão? Por que Lobato é sempre escolhido como referência? Por que ele é “clássico”? Por que não incentivam e financiam a criação de outras obras proporcionando novas visões e lançando novos(as) escritores(as)? São essas perguntas que também devemos fazer!

Até capacitar todos(as) os(as) professores(as) para lidar com o racismo e identificá-lo no livro didático, paradidático ou infanto-juvenil vamos demorar muito. Uma mudança rápida é não deixar essa obra entrar nas escolas. Mas aí dirão: “não tomar contato com obras de cunho racista, não vai acabar o preconceito, o preconceito não vai deixar de existir”. É, por isso, que precisamos também imediatamente propor a inclusão de obras valorativas e também questionadoras do racismo.

No fim, outra questão que está permeando os debates atuais sobre essa “normativa” do Conselho Nacional de Educação é que o documento estabelece a exclusão de obras de cunho racista, sexista e homofóbico, mas não determina a inclusão de conteúdos valorativos sobre a história da cultura africana e afro-brasileira, a história e cultura indígena, história da luta das mulheres e dos(as) homossexuais. Eu tive contato com essa ideia no Encontro Nacional Universitário da Diversidade Sexual, na Unicamp, no começo do mês de outubro de 2010. Só pontuando a questão de gênero e sexualidade, o Felipe F. Moreira, que apresentou o artigo Escola e sociabilidade*: as entrelinhas discursivas nos livros didáticos, demonstrou o quão “técnico” e “naturalizante” ainda é a abordagem sobre sexualidade nos livros de ciência que vão para as escolas em 2011 após passarem por essa análise de especialistas do MEC ou do CNE para o Plano Nacional do Livro Didático. Ou seja, quem são esses/as especialistas que avaliam esses livros?
É claro que tudo vai depender da condução pedagógica e da visão do(a) professor(a)! Histórias de discriminação servem para problematizar uma realidade, desde que tenhamos consciência dessa tarefa educadora! Histórias de superação servem para mostrar que, mesmo diante das adversidades, é possível ser feliz, ter amigos, construir um autoconceito positivo, por exemplo. Histórias de valorização servem para possibilitar um processo positivo de construção identitária em relação a gênero, raça e sexualidade!

Portanto, já saibam: se for discutir literatura infanto-juvenil e Monteiro Lobato, não deixe de comentar as passagens racistas nas entrelinhas dos seus contos. Não podemos deixar de explorar as possibilidades pedagógicas de todas as histórias! E vamos proliferar as histórias de diferenças!

Como diz Negrão (1990, p. 21 apud SOUSA, 2001, p. 212), “não basta retirar do texto os preconceitos e as discriminações o que já é muito bom, mas criar personagens negras, com sentimentos e vivências próprias”.

Para finalizar, 

“Interessa-nos, especialmente, o educador, o professor que escolhe as obras paradidáticas que serão lidas pelos alunos. Se ele não estiver sensibilizado por essa questão, conhecer os conceitos de raça, etnia, preconceito, discriminação, ler os livros com abordagem diversificadas e positivas, suas atitudes e seu direcionamento da leitura podem acabar reforçando um imaginário estereotipado sobre o negro” (SOUSA, 2001, p. 213)

Referências:

JUNQUEIRA, Rogério. “Aqui não temos gays nem lésbicas”: estratégias discursivas de agentes públicos ante medidas de promoção do reconhecimento da diversidade sexual nas escolas. In: Bagoas: revista de estudos gays. v. 3. n. 4. Natal: EDUFRN, 2009. Disponível em: <http://www.cchla.ufrn.br/bagoas/v03n04bagoas04.pdf>. Acesso em 9 nov. 2010.

SOUSA, Andréia Lisboa. Personagens negros na literatura infanto-juveni: rompendo estereótipos. In: CAVALLEIRO, Eliane (Org.). Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola. São Paulo: Selo Negro, 2001.

Repercussões do ENEM 2010 e como foi a prova!

6 de novembro de 2010




Como foram as provas no primeiro dia do ENEM 2010?

Saí de casa às 12h30min rumo ao Centro de Ensino Médio 03 de Ceilândia-DF, que é uma escola marcante em minha trajetória, onde realizei meu estágio supervisionado curricular em Orientação Educacional. Chegando lá, encontrei um professor de História bem conceituado. Cumprimentei e disse que estaria fazendo a prova para testar meus conhecimentos, embora pretenda utilizá-la para tentar o ingresso em outro curso de graduação.
A prova começou às 13h, em ponto. Fiquei sabendo do atraso de muitos candidatos(as) apenas nas reportagens na mídia. Na Ceilândia-DF, parece que não houve trânsito que atrapalhasse a chegada dos(as) candidatos(as). No entanto, notei o grande “ausência” de candidatos(as). Na minha sala, muitos(as) faltaram. Além do trânsito, outros motivos podem ser elencados, inclusive, a hipótese de ‘descrédito’ do Exame que em 2009 foram furtadas as provas e em 2010 foram divulgados os dados de todos(as) os(as) candidatos(as) pelo sítio do INEP.  
De imediato, gostei que a Prova de Ciências Humanas e suas Tecnologias era a primeira. A cada questão buscava entender o motivo de estarem questionando sobre aquele assunto. Como fiz o ENEM em 2004, posso dizer que além do aumento do número de questões a prova, além da prova ter substituído os vestibulares tradicionais de algumas universidades públicas, outra mudança notável são as “competências” exigidas e os “eixos cognitivos” de avaliação, enfatizando a importância da “interpretação crítica” da realidade.
A Prova de Ciências Humanas e suas Tecnologias retrata essa ênfase. As questões buscaram demonstrar, dentre outras coisas, as desigualdades sociais e econômicas, a divisão social do poder, o racismo, a homofobia, a criminalização das práticas culturais de matriz africana como a capoeira foi no passado, a questão sobre (i)mobilidade social, o omissão na História “Oficial” dos trabalhadores que construíram os grandes monumentos históricos, a história e origem do “feijão tropeiro”, as diferenças entre os povos indígenas, os conflitos entre leis de proteção indígena e ambiental e exploração da terra pelo agronegócio, a inteligibilidade negra e a importância do estudo/leitura para libertação das opressões, o surgimento da legislação trabalhista como resultado de lutas e reivindicações dos operários garantindo e preservando seus direitos, a importância da lei como forma de organizar as relações de poder na sociedade, o papel político da música na crítica e denúncia das desigualdades sociais, o papel da televisão nesse mesmo sentido mas também na denúncia da corrupção, a internet como forma de contribuir na democratização da sociedade e possibilitar maior participação social,  o papel da ética para ampliação das liberdades individuais e coletivas e “o sentido coletivo e político das ações humanas individuais”.  
O Blog Pedagogia Queer disponibilizou a imagem da questão da prova de Ciências Humanas e suas Tecnologias sobre homofobia. Clique aqui para ver como foi elaborada a questão. A importância dada ao posicionamento crítico perante a realidade abarcou até uma questão sobre homofobia. 
Embora seja o conteúdo abordado seja relevante, o cartão de resposta onde eram marcadas as alternativas escolhidas pelo(a) candidato(a) estava em desacordo com a ordem das provas: 1º era Ciências Humanas e depois Ciências da Natureza. No cartão-resposta estava invertida essa ordem, embora a sequência do número das questões permanecesse inalterada. Na minha sala de aula, 30 minutos depois do início da prova, o professor de história, que comentei lá no começo, entrou pedindo licença e disse: “Vocês reparam a prova? (pausa) O cartão de respostas está marcando que a primeira prova é de Ciências da Natureza e a segunda é Humanas. Não preencham o gabarito ainda porque estamos confirmando com a coordenação essa questão”. Depois de uns 30 minutos, ele voltou e orientou que desconsiderássemos os títulos das provas marcados no cartão de respostas e assinalássemos na ordem que apareciam as questões na prova. Suspeito que os  cartões de resposta do ano passado, não impressos, foram utilizados nesse ENEM, pois a ordem da prova de 2009 corresponde a ordem impressa neste cartão de respostas que todos(as) pegaram. 
Como comentei no Twitter, assim como em 2009, considerei o tempo insuficiente para realização da prova em relação à quantidade e extensão das questões. Confesso que houve várias questões da Prova de Ciências da Natureza e suas Tecnologias que fiz com pressa e marquei qualquer alternativa sem reflexão. 
A repercussão do ENEM na mídia e na sociedade como um todo ainda vai durar até amanhã, pelo visto, mas também pode perdurar alguns meses na justiça. A matéria do O Globo diz que o Ministério Público Federal já havia entrado com uma ação antes a respeito da proibição do lápis e agora vai analisar a questão dos cartões de respostas e poderá pedir o cancelamento do exame.  
Daqui a pouco, às 22h30min, a TV Brasil transmitirá para todo o Brasil a correção das questões do ENEM das provas desse sábado (06/11) feita por professores(as) do Sistema COC. Se lhe interessar, assista! Amanhã também tem mais!