Ser-tão livre como o meu cabelo

4 de setembro de 2012


Ultimamente, aconteceram algumas situações comigo que, nossa, tem horas que agradeço pelas reflexões que me proporcionam. Umas três semanas atrás fiz um selante no meu cabelo, isto é, passei um produto que em tese diz que “alisa” ou “amacia” o cabelo. Sai do salão, tomei banho, resolvi usar o cabelo escovado, de lado. Fui para uma festa. Nessa festa, as pessoas comentaram: “visual novo”, etc. Para uma delas, eu perguntei:  

- Você gostou?
- Ficou muito feminina.
- Mas era essa a intenção. hahaha

Claro que minha resposta foi provocativa. Não tinha a intenção de ser feminina, mas acabou que foi essa a interpretação que meu cabelo passou. Mas e aí, qual é o problema em ser feminina? Percebi, isso não é de hoje, que “ser feminina” é o grande problema nessa nossa sociedade, inclusive, no meio gay. O meio gay, que em tese deveria ser um local em que as pessoas pudessem viver de forma livre seu gênero e sua sexualidade, é um local onde o preconceito, a discriminação e a violência (de gênero) ora se combate ora se reproduz. 

Isso não é difícil de ser constatado. As pessoas que rompem com o sexo biológico, no caso as/os travestis e transexuais, não são vistas como “bons” olhos pela sociedade e pelo meio gay. O fato de montarem seus corpos com próteses, roupas e adereços que não condizem com o sexo biológico que nasceram é, na visão de muitas pessoas, uma verdadeira “[trans]agressão”. 

O mais interessante nisso tudo é que, muitas vezes, não percebemos que o preconceito contra os gays não é pelo fato deles serem gays, ou ter uma orientação sexual distinta da “maioria”, mas pelo fato deles “parecerem” mulheres, isto é, de romperem com as expectativas de gênero (no caso, espera-se que sejam homens) e sexuais (logo, heteros). Por que ser mulher é tão ruim? Tão negativo? Tão feio? Por que um homem não pode ser mulher ou não pode “parecer” uma mulher? O que essas ideias revelam sobre o tipo de discriminação que mantemos contra gays e [mulheres] travestis e transexuais?

A educação de gênero que possuímos nas instituições sociais – escola, família, etc – visa à heterossexualidade (isso não sou eu quem diz, mas a Judith Butler e outras pessoas que estudam gênero). As pessoas são educadas para serem heterossexuais. Qualquer diferença desse objetivo é vista como “desvio”. E essas mesmas instituições atuam para “corrigir” esses “desvio”, mediante práticas que reestabeleçam a coerência de gênero. 

Assim, na sociedade (e eu abro sempre o parênteses sobre o meio gay), costuma-se discriminar as/as travestis e transexuais justamente por elas não demonstrarem a tal coerência de gênero: se nasceu como pênis, é masculino, é homem; se nasceu com vagina, é feminino, é mulher. Por  que o rompimento com a coerência de gênero provoca pânico

Porque, por um lado, introjetamos que o ideal é ser “hetero”, isto é, manter a coerência entre pênis-masculino-homem; vagina-feminino-mulher; Essa coerência demarca os seres que “importam”, como diz a Butler, e os seres “abjetos”, aqueles que são desprezíveis, que não podem existir, segundo essa ordem sexual e de gênero. Será que ao discriminarmos os gays ‘afeminados’ (as travestis e transexuais), zombando porque eles/as não aparentam essa “coerência” de gênero,  não estaríamos reproduzindo essa ordem heteronormativa?

Eu acredito que sim! Bem, já passou da hora, a meu ver, de todas as pessoas fazerem mais reflexões e críticas sobre gênero e sexualidade, principalmente, aquelas pessoas que se entendem como LGBT, para que não sejam reproduzidas acriticamente práticas de discriminação de gênero.

Atualmente, está em desenvolvimento críticas em relação a reprodução cultural dentro das culturas sexuais, demonstrando que elas se tornaram “homo-normativas”. Para ter status, ser bem visto/a, é preciso está dentro dos padrões de gênero, de sexualidade e de consumo, fora outros. Um desses aspectos diz respeito ao modelo de gênero que alguns gays americanos (entenda-se também brasileiros) adotaram há mais de uma década. A “hiper-masculinidade”, o gay “californiano”, aquilo que conhecemos como “Barbie” é o modelo de gênero atual de muit@s gays e outras pessoas

Se não é “Barbie”, se não tem músculos, se não fala grosso, se não tem uma performance “máscula”, é motivo de ser chamada de “passiva”,  de “afeminada”, de “bicha louca” – um modelo de gênero negativo, desvalorizado, desprestigiado. Mas por que será? Será que é porque as “bichas” deixam ser seguir o modelo de masculinidade valorizado? Ou será porque é o “feminino” que é feio?

Sem dúvidas, as duas coisas se relacionam. No entanto, eu estranho essa perspectiva, pois “todas as pessoas”, mesmo as mais másculas, podem ser interpeladas como “femininas” e podem ser tornar alvos de práticas de discriminação em razão do gênero ou da sexualidade. Afinal, essa discussão toda só serve para dizer isso: todo mundo está imerso/a em práticas de interpelação, em que se “cobra”, “pressiona”, “incentiva” que as pessoas “se mostrem homens e mulheres verdadeiros/as”. É por isso que ninguém escapa da interpelação de gênero, mas algumas pessoas por conta de seus rompimentos “visíveis” estão muito mais sujeitas a essas interpelações. 

Enfim...Claro que tem mais coisas. Estou apenas começando a interpretar algumas coisas, com base nas leituras que tenho feito. Não se trata de impor uma determinada visão de mundo, nem de “ser politicamente correto”. Afinal, não gosto (mesmo) dessas ideias. Eu gosto apenas de pensar e criar possibilidades para que outras pessoas também possam pensar. 

Voltando ao caso do meu cabelo, gosto da música "hair" da Lady Gaga, quando ela diz que quer ser tão livre como o seu cabelo. No meu caso, refletir sobre isso com a intenção de prestar mais atenção as práticas discriminatórias de gênero me faz mais livre!


0 comentários:

Postar um comentário

Você gostou dessa postagem? Deixe aqui um comentário!