Curta-metragem “Eu não quero voltar sozinho” de Daniel Ribeiro

8 de dezembro de 2010


Assisti também o curta-metragem “Eu não quero voltar sozinho” de Daniel Ribeiro. O curta acabou de sair do forno. Sua estréia foi em julho de 2010. Fez maior sucesso com o preview no YouTube e já está fazendo o maior sucesso em todo Brasil, rodando inúmeros festivais. Estou impressionado com o trabalho desse cineasta e muito feliz em saber que já ganhou vários prêmios em diversos festivais. 

Sinopse: A vida de Leonardo, um adolescente cego, muda completamente com a chegada de um novo aluno em sua escola. Ao mesmo tempo, ele tem que lidar com os ciúmes da amiga Giovana e entender os sentimentos despertados pelo novo amigo Gabriel.
Ano: 2010
Duração: 17min









Para saber mais, acesse o Blog e o Site do Curta. 

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Clique aqui e assista a entrevista com o elenco

Curta-metragem “Café com leite” de Daniel Ribeiro


Assisti o curta-metragem “Café com leite” dirigido pelo cineasta Daniel Ribeiro e por ser tão bom resolvi disponibilizá-lo aqui. Ressalto que o curta foi premiado com um Urso de Cristal no 58º Festival de Cinema de Berlim, além de ter ganhado outros prêmios. Para saber mais, acesse o Blog do Curta:  http://curtacafecomleite.blogspot.com/

Sinopse: Entre videogames e copos de leite, dor e decepção, eles precisam aprender a viver juntos.
Ano: 2007
Duração: 18min








Sagrada Terra Especulada - A luta contra o Setor Noroeste

7 de dezembro de 2010


A dominação, a colonização e a corrupção continuam....











Infelizmente, não pude ir à estréia do filme “Sagrada Terra Especulada - A luta contra o Setor Noroeste”, na última sexta-feira (03/12), na Asa Norte. No entanto, na madrugada de hoje (07/12) assistir pela internet o filme-documentário e fiquei muito sensibilizado com a questão dos índios e do meio ambiente, mas também indignado com esse “nosso” governo explorador e interessado apenas em seus próprios benefícios. 

Trata-se de uma produção minuciosa feita pelo Centro de Mídia Independente (CMI) que conta com a participação de intelectuais, políticos, movimentos populares, estudantes, entre outras pessoas, discutindo a iniciativa de construção do Setor Noroeste de Brasília.

Segundo a reportagem do CMI, “o Filme critica a especulação imobiliária no DF com base no recente período de lutas contra o Setor Noroeste, bairro de alto luxo construído pela especulação imobiliária do Distrito Federal. Tendo como enfoque a luta realizada desde o a Reserva Indígena Santuário dos Pajés, a obra traça a ação da mídia, políticos, empresários, especuladores e burocratas: todos a serviço do lucro e da segregação. Do outro lado, apresenta a ação de movimentos populares em uma incansável e também vitoriosa luta contra estes podres poderes”.

Gostei tanto dessa produção que acredito que é necessário divulgá-la. Com o filme-documentário, é possível perceber como o governo e os políticos “apropriam-se” de discursos considerados 'politicamente corretos' para justificar sua dominação e exploração. É possível visualizar a guerra “política” que envolve governos, mídia, empresários e interesses privados. Admirei-me com a resistência dos índios que ocupam a região, bem como com as suas culturas preservadas, como a Reserva Indígena Santuário dos Pajés, mas também com estudantes, acadêmic@s e movimentos organizados que defedem os direitos desses povos. Espero que com a divulgação do filme-documentário, as pessoas repensem algumas questões que atingem não só a população indígena, mas a nós tod@s! 

Resistência, Força e Paz do Grande Espírito!

Quer fazer uma (outra) graduação na UnB? Sua chance é essa!

6 de dezembro de 2010


ADMISSÃO PARA PORTADOR DE DIPLOMA DE CURSO SUPERIOR 

A Universidade de Brasília (UnB) está com inscrições abertas para portadores(as) de diploma de curso superior interessad@s em cursar outra graduação. São 481 vagas remanescentes. As inscrições começam hoje (06/12) e vão até 17 de dezembro. Para conhecer o edital e saber sobre mais informações clique aqui. Taxa: R$ 100,00

TRANFERÊNCIA FACULTATIVA

Também há vagas para alunos(as) regulares de outras Instituições de Ensino Superior (IES) nacionais ou estrangeiras que estejam interessados(as) em concluir o curso na UnB, por meio da Transferência Facultativa. São 858 vagas. As inscrições começam hoje (06/12) e vão até o dia 15 de dezembro. Clique aqui e saiba como participar. Taxa: R$ 100,00

PROCESSO SELETIVO

Em ambos os processos seletivos serão aplicadas cinco redações relativas aos conhecimentos específicos do curso superior pretendido. Alguns cursos exigem a apresentação de portifólio ou prova prática. Além disso, é preciso ter 20% no mínimo e 75% no máximo da carga horária do curso pretendido já concluída, que será comprovada por meio do Histórico Escolar.

MINHA OPINIÃO

Vale muito a pena prestar esses processos seletivos, pois é uma forma de recrutar os(as) melhores alunos(as), tanto já formados(as) quanto ainda formandos(as). Além disso, há todo o status social que a UnB proporciona, além das inúmeras atividades de ensino-pesquisa-extensão que os(as) alunos(as) participam durante a graduação, contribuindo para a sua formação pessoal e profissional. Conheço pessoas que entraram por meio desse tipo de processo seletivo e não se arrependeram.

O que é homofobia?

Vamos pensar um pouco...
Ultimamente, escutei dois depoimentos, da mãe do Alexandre Ivo que foi assassinado e do rapaz agredido na Avenida Paulista, que me causaram certo desconforto devido à compreensão sobre o que é a homofobia.
Pareceu-me que as pessoas entendem a homofobia apenas como preconceito, discriminação, intolerância ou violência contra homossexuais.
O grifo no “apenas” é proposital. A homofobia, embora englobe práticas discriminatórias contra homossexuais, é algo maior que isso. É um problema que não atinge apenas  homossexuais. É um problema que atinge também – ou principalmente – os(as) heterossexuais.
Para ter uma idéia do que é a homofobia precisamos discutir, em minha opinião, primeiramente, a misoginia – ou seja – a aversão contra tudo que é feminino. Ser feminin@ é feio?
Por outro lado, as lésbicas também são alvos da homofobia ou, como elas preferem chamar, da lesbofobia. Mulheres não podem adotar determinados comportamentos ou características consideradas culturalmente como masculinas?
Nesse ponto, podemos perceber que a homofobia é o preconceito contra todas as pessoas que não cumprem o rol de gênero dominante – ou seja – não se comportam de acordo com as características arbitrariamente eleitas como “próprias” de determinado sexo.
Prado (2010, p. 8) nos convida a pensar a homofobia como um “[...] dispositivo de vigilância das fronteiras de gênero que atinge todas as pessoas, independente da orientação sexual, ainda que em distintos graus e modalidades”.
Segundo Welzer-Lang (2001), a homofobia não atinge apenas aquelas pessoas que pertencem as minorias sexuais, mas também todas aquelas que são vistas, ou se apresentam, com características consideradas divergentes ou ocupando em determinadas circunstâncias comportamentos considerados “impróprios” para seu gênero. Para Welzer-Lang (2001), a homofobia é produzida pela dominação masculina que ameaça os homens a se calcarem nos esquemas ditos normais da virilidade, mas também as mulheres aos padrões “normais” de feminilidade.
Acredito que é fundamental ter essa visão mais ampla do fenômeno da homofobia para não cairmos no risco de “estereotipar” a homofobia como uma atitude apenas contra homossexuais ou LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros). Com essa visão, penso que é possível, inclusive, convencer mais simpatizantes e heterossexuais sobre as implicações da homofobia em suas próprias vidas – mostrando que “isso acaba prejudicando e limitando a todos, mesmo os que não se sentem homossexuais, que também ficam limitados às mesmas práticas e atributos determinados como masculinos, ligados a uma identidade homogênea de homem e de heterossexualidade” (FERRARI, 2007, p. 9). No caso das mulheres, elas ficam limitadas as práticas e comportamentos determinados como femininos, ligadas a uma identidade hegemônica de mulher.

REFERÊNCIAS

FERRARI, Anderson. O quê se fala e o quê se cala sobre o homoerotismo masculino: discursos, práticas e posturas dos professores diante do fato e do assunto. Disponível em: <http://168.96.200.17/ar/libros/anped/1412T.PDF>. Acesso em: 26 dez. 2010.

PRADO, Marco Aurélio Máximo. Homofobia: diversos fenômenos sobre o mesmo nome. In: BORRILO, Daniel. Homofobia: história e crítica de um preconceito. Belo Horizonte: Autência, 2010.

WELZER-LANG, Daniel. A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia. In: Revista Estudos Feministas, Florianópolis, ano 9, n. 2, p. 460-482, 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2001000200008&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 6 dez. 2010.

SUGESTÕES DE LEITURA

JUNQUEIRA, Rogério. Homofobia: limites e possibilidades de um conceito em meio a disputas. In: Bagoas: Estudos Gays gêneros e sexualidades. v. 1, p. 1-22, 2007.  Disponível em: http://www.cchla.ufrn.br/bagoas/v01n01art07_junqueira.pdf Acesso em: 6 dez. 2010.

Carta da Eliane Cavalleiro ao Presidente Lula - Dia da Consciência Negra

20 de novembro de 2010

Brasil, 20 de novembro de 2010, Dia da Consciência Negra
Por um Estado que proteja as crianças negras do apedrejamento moral no cotidiano escolar

Excelentíssimo Presidente da República Federativa do Brasil, Sr. Luís Inácio Lula da Silva,
Em um ato político e humano, vossa excelência ofertou asilo a Sakneh Mohammadi Ashtiani como forma de preservar-lhe a vida, visto que a mesma corre risco de ser apedrejada até a morte física em seu país, o Irã.
Se me permite a analogia, pelo exemplo que vossa senhoria encarna para a Nação, creio que seria, além de político e humano, um gesto emblemático e valoroso se  vossa senhoria manifestasse sua preocupação e garantisse “proteção” às crianças negras inseridas no sistema de ensino brasileiro, zelando por sua sobrevivência moral e sucesso em sua trajetória educacional. Como vossa senhoria já afirmou: “Nada justifica o Estado tirar a vida de alguém”, e, no caso do Brasil, nada justifica que o Estado colabore para fragilizar a vida emocional e psíquica de crianças negras, propiciando uma educação que enseja uma violência simbólica, quando não física, contra elas no cotidiano escolar. Sim, a violência diuturna sofrida pelas crianças negras no espaço escolar pode, em certa medida, ser comparada ao apedrejamento físico, visto que o racismo e seus derivados as amordaça. Assim, emocionalmente desprotegidas em sua pouca idade, as crianças passam a perseguir um ideal de “brancura” impossível de ser atingido,  fazendo-as mergulhar em um estado latente, intenso e profundo de insatisfação e estranhamento consigo mesmas.  
É fato que as crianças em geral não possuem natureza racista, mas a socialização que lhes é imposta pela sociedade as ensina a usar o racismo e seus derivados como armas para ferir as criança as negras, em situacões de disputas e até simplesmente para demarcar espacos e territórios, bem ao exemplo dos padrões da sociedade mais ampla. A escola constitui apenas mais uma instituição social na qual as características raciais negras são usadas para depreciar, humilhar e excluir. Assim, depreciadas, humilhadas e excluídas pela prática escolar e consumidas pelo padrão racista da sociedade, as crianças negras têm sua energia, que deveria estar voltada para o seu desenvolvimento e para a construção de conhecimento e socialização, pulverizada em repetidos e inócuos esforços para se sentir aceita no cotiano escolar.
Se há no Irã - liderados pelo presidente Mahmoud Ahmadinejad - um grupo hegemônico que, embasado em uma interpretação dogmática do Islamismo e na particular percepção do que é legitimo, detém o poder de vida de  morte sob as pessoas, não menos brutal no Brasil, temos um grupo no poder que, apesar de não deliberar explicitamente pela morte física de negros e negras, investe pesadamente na manutenção da supremacia branca, advoga pelo não estabelecimento de políticas que promovam a igualdade, e nega sistematicamente qualquer esforço pela afirmação dos direitos dos afro-brasileiros.
Excelentíssimo, a supremacia branca mina as bases de qualquer perspectiva de justiça social. A  eliminação do racismo e de seus predicativos depende do questionamento do poder branco, visto que a subalternização dos negros é fonte permanente de riqueza, prosperidade e garantia de poder arbitrário e absoluto. Não seria está também uma forma de matar e de exterminar? Não estaria aí um protótipo do modelo de genocídio à brasileira?
Nossa aposta, sr. presidente, é que estando sob um regime democrático - ainda que permeado por estrutura historicamente racista que nega aos negros os direitos de cidadania – possamos contar com  os órgãos públicos competentes no dever legal de zelar pela igualdade substantiva. Neste sentido, o Ministério da Educação (MEC) encontra-se submetido às leis nacionais e aos tratados internacionais promulgados pela ONU, o que legitima nosso direito de exigir que, sendo o órgão representante do Estado brasileiro no campo da educação, promova o bem estar de nossas crianças, e que não contribua, portanto, para a sua dilapidação moral.
Senhor Presidente, que legitimidade tem um governo que abraça o projeto político de ‘um país de todos”, mas que investe recursos públicos na disseminação de uma pedagogia racista entre os seus pequenos cidadãos? Um Estado que compra e envia para as escolas material pedagógico que contém estereótipos e preconceitos quer sejam étnicos, raciais e/ou de gênero pode ser compreendido como um Estado que fornece combustível ideológico para que a humanidade dos indivíduos tidos como ‘diferentes’ seja desconfigurada. Não nos parece que é a proposta política deste governo incentivar e disseminar  ideologias racistas que promovem a deterioração da identidade e da autoestima da criança negra. 
É neste sentido, senhor presidente, que a contenda sobre o livro de Monteiro Lobato deve ser vista apenas como mais um episódio em que os negros aparecem como inconvenientes e não encontram solidariedade por parte dos formadores de opinião e representantes da administração pública. Talvez tais agentes  fossem mais solidários com a luta anti-racista caso os materiais pedagógicos contivessem referências depreciativas em relação às suas identidades.  Talvez conseguissem perceber o escárnio se as personagens obesas fossem referidas como aquelas que “comem como uma porca cebosa”. Talvez se motivassem a protestar caso um livro contivesse um padre católico apresentado como “lobo que devora criancinhas”.  Talvez também fossem contrários à distribuição de obras clássicas que contivessem a idéia preconceituosa de que: “os políticos agem no escuro como ratos ladrões”.
Entretanto, senhor presidente, ter no livro de Monteiro Lobato personagem negra que “sobe na árvore como macaca de carvão” é visto como algo absolutamente natural e que deve ser mantido para preservar a liberdade de expressão. No fundo querem que nós negros e negras subscrevamos tal obra como um elemento histórico que, constitutivo da “democracia racial brasileira”, deve ainda ser difundido nas escolas, a despeito dos estragos que possa produzir na formação de nossas crianças brancas e negras.
Aceitar tais práticas insidiosas é negar a nós mesmos e rasgar o histórico de resistências que marca a identidade negra.  Não podemos aceitar que nossas crianças negras sejam sacrificadas e usadas para o entretenimento, deleite e regogizo das crianças brancas. E nós, seus pais e educadores,  lamentaríamos ver nossas crianças obrigadas a se defenderem de pedradras usando pedras contra “Pedrinhos”. 
A era da inocência acabou, como nos lembra a militância negra! Os chamados textos clássicos não representam a última (sacrosanta) palavra sobre o mundo social. Não é segredo que muitos dos textos sob tal categoria  são na verdade a bíblia da dominação branca-masculina-heterosexual, representando uma falsa imagem sobre quem somos. Propicia, por exemplo, que homossexuais sejam agredidos no cotidiano escolar e/ou na calada da noite, nas esquinas escuras das nossas cidades. 
Uma educação que oferta estereótipos étnicos, raciais, de gênero e/ou homofóbicos facilita que jovens, ainda que supostamente “bem educados”,  organizem práticas criminosas como o “rodeio das gordas”, ocorrido na UNESP ainda agora. É pelo investimento possessivo na supremacia branca, assegurado pela desumanização dos negros, que pessoas queimam índios e moradores de rua; é a partir de uma educação sexista que jovens tornam-se preconceituosos a ponto de espancar mulheres em pontos de ônibus, por acreditarem que são prostitutas. É a sistemática exposição de nossos meninos e jovens a idéias e práticas machistas que constitui terreno fértil para que quando homens crescidos, diante da percepção de ameaca á sua masculindade, assassinem suas namoradas, esposas e/ou amantes, conforme constatamos nos nossos noticiários.
Assim, senhor presidente, trata-se de legítimo e necessário o parecer do Conselho Nacional de Educação - CNE/CEB Nº: 15/2010, sobre as medidas de combate aos estereotipos e preconceitos na literatura. Não se trata de censura política, como se quer passar, mas de proteção social das nossas crianças. Pois, assim como um buquê de rosas que apesar da beleza contém espinhos pontiagudos, os livros com teor discriminatório ferem. Alguns ferem de maneira profunda e indelevelmente marcam trajetórias de vida. Logo,  podemos questionar se um educador que, ao dar a rosa, alerta sobre a existência de espinhos, estaria censurando a existência da rosa e banindo-a do jardim, ou estaria apenas, responsável que é, cumprindo o dever de proteger a criança pequena? 
Há que se ter cuidado com nossas criancas que, a partir de sua próspera administracao, sr. presidente, mais cedo adentram o cotidiano escolar. Se elas entram mais cedo na escola, é fato que também  experienciam mais cedo o  contato sistemático com um cotidiano discriminatório, repleto de violência racial, vivendo precocemente a dor e o sofrimento de serem desumanizadas com qualificativos  como macaco e urubu, assim como Monteiro Lobato dissemina em suas histórias.
Infelizmente, sr. presidente, nós negros adultos, ainda que tenhamos sobrevivido a esses mesmos sofrimentos em nossas histórias de vida, não conseguimos encontrar remédio eficaz para curar a dor que corrói a alma de nossas crianças pequenas. Não descobrimos ainda palavras mágicas que apaguem da memória de nossas crianças a vergonha da humilhação e do escárnio público. A valorização da beleza de nossa pele e o histórico de luta de nosso povo apenas amenizam o sangramento moral. É difícil se contrapor a um ideal de beleza e de sucesso que reserva um lugar inferior na sociedade aos indivíduos de pele negra. 
Sr. Presidente, em nome de seu legado que engrandeceu este país e retirou da miséria milhões de brasileiros, não permita que, sob sua administração, mesmo nestes momentos finais, prevaleça um modelo de Educação que, apenas assentado em discursos contra o racismo e o preconceito racial, utiliza-se do poder e dos recursos públicos para a compra de materiais que veiculem estereótipos e idéias preconceituosas perniciosas para milhões de crianças, futuros cidadãos, que no futuro poderiam lembrar-se não destas “leituras”, mas sim das incomparáveis conquistas da era Lula. 
Vossa senhoria que afirmou em seus discursos a importância do combate ao racismo na sociedade;  que, através da primeira  lei assinada em seu governo - Lei 10.639, em 09 de janeiro de 2003, tornou obrigatório  o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, observe atentamente para que os profissionais do Ministério da Educação não contradigam os seus pronunciamentos públicos. Talvez, sr. presidente, não haja mais tempo para corrigir o descaso desses para com as políticas de educação em áreas quilombolas, visto que os recursos empenhados no orçamento 2009, sequer, até a presente data, foram utilizados para o pagamento dos convênios aprovados, impossibilitando assim que as escolas quilombolas recebam material didático e pedagógico adequados. Certamente não há mais tempo para elaboração e distribuição de livros para subsidiar a prática pedagógica anti-racista, visto que a política foi interrompida em 2006 juntamente  com o fim do Programa Diversidade na Universidade – que mesmo tendo recebido o aval positivo do BID para uma segunda edição ampliada, por ter sido avaliado como um programa modelo para a América Latina, não contou com a aprovação das gerências superiores do MEC. 
Infelizmente, excelentíssimo presidente, não há tempo também, certamente, para lograr as metas de formação de professores e professoras para a educação das relações etnicorraciais, visto que as secretarias de educação estaduais e municipais, devido à ausência de uma consistente campanha de combate ao racismo na educação, comandada pelo MEC, pouco se engajaram para alcançar esse objetivo. 
Essa triste realidade, sr. presidente, atesta que Fernando Haddad, ministro da educação, deixará, infelizmente no legado de seu governo, a triste memória de um trabalho inexpressivo no que concerne à políticas públicas para o combate ao racismo e a valorização da história e cultura afro-brasileiras. Ele que, mesmo tendo a faca e o queijo nas mãos, pouco fez para o fortalecimento da educação anti-racista e anti-discriminatória no país, encerra seu mandato sinalizando aliança com vertentes contrárias às conquistas sociais, dificultando, assim, que o Conselho Nacional de Educação cumpra o papel que lhe é devido.  A devolução do parecer CNE/CEB Nº: 15/2010 dá bem a dimensão do retrocesso político e concretiza  uma velada censura às políticas de combate ao racismo pelo MEC. A atitude do ministro Haddad traduz sua vontade política e fornece elementos para compreendermos o porquê do inexpressívo desenvolvimento das políticas anti-racistas no interior do MEC e, a partir dele, nos sistemas de ensino.
Assim presidente, o senhor que compreende o combate ao racismo como uma luta pela justica social, não permita que o Estado brasileiro retroceda nas conquistas dos direitos dos afro-brasileiros: não deixe sua consciência passar em branco! Relembrando suas palavras am relação à dívida do Brasil para com o continente africano: "Têm coisas que a gente não paga com dinheiro, mas com solidariedade, companheirismo e sentimentos", seja solidário à Sakneh, mas também aproveite o 20 de novembro e renove o seu compromisso com  o  Brasil negro.  Em nome das crianças negras e brancas, em nome dos filhos do Atlântico negro,  manifeste-se favoravelmente às orientações do Parecer CNE/CEB Nº: 15/2010(http://www.euconcordo.com/com-o-parecer-152010).
Respeitosamente, 
Eliane Cavalleiro

Doutora em Educação pela Faculdade de Educacao da USP, 2003 – coordenadora executiva de Geledés – Instituto da Mulher Negra, de 2001 a 2004; coordenadora de Diversidade da SECAD/MEC, de 2004 a 2006; ex-professora adjunta da Faculdade de Educacao da UNB – de 2006 a fev/2010; presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores negros, de 2008 a jul/2010, é cidadã brasileira, que luta para que seus netos e bisnetos e demais gerações tenham o direito a uma verdadeira educação anti-racista.

Brasil 2011: Estado festejará Ano Internacional dos Afrodescendentes distribuindo livro racista nas escolas

12 de novembro de 2010




Eliane Cavalleiro*

A sociedade competitiva e os preconceitos geram uma violência que deve ser combatida pela escola. Ensinar a viver juntos é fundamental, conhecendo antes a si mesmo para depois conhecer e respeitar o outro na sua diversidade. A melhor maneira de resolver os conflitos é proporcionar formas de buscar projetos e objetivos em comum, através da cooperação, pois assim ao invés de confrontar forças opostas, soma-se a diversidade para fortalecer as construções coletivas (Jacques Delors, UNESCO, MEC, Cortez Editora, São Paulo, 1999).

De acordo com Delors, a transmissão de conhecimento sobre a diversidade humana, bem como a tomada de consciência das semelhanças e da interdependência entre todos os seres humanos do planeta constituem fundamentos da educação. Entretanto, às vésperas do Ano Internacional dos Afrodescendentes, o Ministério da Educação do Brasil rejeita consideração do Conselho Nacional de Educação, que atento às Leis que regem a Educação Nacional, pondera sobre a distribuição do livro de literatura infantil Caçadas de Pedrinho[1], de Monteiro Lobato, que, originalmente publicado no ano de 1933, difunde visão estereotipada sobre o negro e o universo africano, apresentando personagens negras subservientes, pouco inteligentes, até mesmo aludindo a animais como o macaco e o urubu quando se referem à personagem negra, como no trecho: trechos da obra dizem: "Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou, que nem uma macaca de carvão".
Os movimentos sociais negros há tempos reivindicam ação substantiva por parte do Estado brasileiro em políticas públicas para a educação das relações étnico-raciais. Os movimentos sociais brancos e a elite, por sua vez, recusam toda e qualquer medida que visa combater o racismo e seus derivados na sociedade brasileira. Por sua vez, identificam-se setores progressistas da sociedade que lutam pelos direitos humanos, direitos das mulheres, gays e indígenas, mas que infelizmente se calam diante da luta antirracista.
Na questão em debate, de maneira previsível, debocham da pesquisadora e professora universitária e conselheira do CNE Nilma Lino Gomes, responsável maior pelo parecer, que possui formação intelectual que não fica atrás de nossa elite branca, uma vez que possui doutorado pela Universidade de São Paulo e Pós-Doutorado na Universidade de Coimbra, sob orientação de um dos maiores nomes da intelectualidade atual, a saber, Boaventura de Sousa Santos é. Mesmo com esse histórico intelectual, ela tem sido vista pelos racistas de plantão como incompetente e racista ao inverso. Isso somente reforça a obsessão pela continuidade da estrutura racista em nossa sociedade. Sobre o autor, Monteiro Lobato, nascido no século XIX, eugenista convicto, diz-se apenas ser uma referencia clássica. Certamente uma clássica escolha da elite nacional, que do alto de sua arrogância e prepotência acredita que seus eleitos sejam intocáveis e não passíveis de qualquer crítica e consideração.
O MEC tem o dever de combater qualquer tipo de situação discriminatória para qualquer grupo racial. Assim, o que deve ganhar nossa atenção nessa contenda é o fato de que mesmo o edital do PNBE/2010, estabelecido pelo MEC/FNDE, ter traçado como objetivo a “Observância de princípios éticos necessários à construção da cidadania e ao convívio social republicano” e ter estabelecido, conforme anexo III do referido edital, que “Serão excluídas as obras que: 1.3.1. veicularem estereótipos e preconceitos de condição social, regional, étnico- racial, de gênero, de orientação sexual, de idade”, temos um ministro que defende a distribuição irrestrita do livro por compreendê-lo como adequado para a educação de crianças em pleno processo de socialização.
Considerando que os doutos e doutas que administram o MEC leram Jaques Delors, Paulo Freire, Edgar Morin e tantos outros que adoram citar, não se pode alegar ingenuidade por parte da equipe diretiva do MEC, que aceitou parecer favorável à compra e à distribuição desse livro nas escolas públicas, cujo conteúdo fere o próprio edital por eles instituído. O que deve tomar o centro dessa discussão é o fato de o MEC anunciar uma política que vai ao encontro do disposto nas leis e também das reivindicações dos movimentos negros organizados, em nível nacional e internacional, mas na prática permitir o descumprimento de seu edital.
Ao ferir o edital, o próprio MEC abre precedente para que que as editoras, cujas obras tenham sido excluídas por veicularem estereótipos, reivindiquem também a distribuição dos livros excluídos.  Por que somente Lobato com estereótipo racial? Que tal o MEC também distribuir literatura sexista? Que tal textos com manifestações anti-semitas?  Será que assim a  sociedade se incomodaria?
Mas, por enquanto, mais uma vez magistralmente setores conservadores e/ou tranquilos com as consequências da discriminação racial nesta sociedade buscam inverter a discussão, de modo a que o maior problema passe a ser o tal “o racismo ao revés e a radicalidade dos movimentos negros”, e joga-se para debaixo do tapete o que deveria ser o centro da análise: o esfacelamento dos objetivos de combater a disseminação de estereótipos e preconceitos na política do PNBE, MEC.
Sejamos de fato coerentes e anti-racistas, reconheçamos a não-observação aos critérios do estabelecidos no Edital do PNBE/2010, insistamos na pergunta e exijamos do MEC uma pronta resposta: o que de fato ele tem realizado, quanto tem investido e qual a consistência e a efetividade de suas realizações, sobretudo em comparação com o que tem investido nas demais questões ligadas à diversidade e aos grupos historicamente discriminados? Dos livros selecionados pelo PNBE 2010, quantos favorecem a educação das relações de gênero? Quantos promovem o conhecimento positivo sobre a história e cultura dos povos indígenas?  Se o MEC tivesse respeito por nós, seríamos informados sobre o cumprimento das metas para a implementação do artigo 26ª da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) (Lei n. 9394/96), que se refere à obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras, indo ao encontro de tratados internacionais como a Convenção Contra a Discriminação na Educação (1960) e o Plano de Ação decorrente da III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Intolerância Correlata (2001), ambos sob os auspícios da Unesco.
Em 17 de abril de 2008, em entrevista à Agência Brasil, apos receber críticas sobre o retrocesso nas políticas para o combate ao racismo, o diretor do Departamento de Educação para Diversidade e Cidadania do MEC, Armênio Schmidt, confirmou a suspensão da distribuição de material didático e de ações de formação de professores na área étnico-racial em 2007. Segundo ele, a interrupção, apenas externa, nas ações voltadas à questão racial ocorreu por causa das mudanças no sistema de financiamento do MEC. Para o diretor tal suspensão se justificava pelo fato de o MEC estar, em 2007, “construindo uma nova forma de indução de políticas, de relação com estados e municípios, que foi o Programa de Ações Articuladas”. Para ele: “Durante o ano passado [2007] realmente não houve publicações e formação de professores. Mas, na nossa avaliação, não houve um retrocesso, porque isso vai possibilitar uma nova alavanca na questão da Lei [10.639]. Agora estados e municípios vão poder solicitar a formação de professores na sua rede, e o MEC vai produzir mais publicações e em maior número”[2].
Em 2010, além de não percebermos o fortalecimento da política, tampouco a retomada das publicações e uma consistente e sistemática formação de professores, flagramos o MEC permitindo a participação de livro cujo conteúdo veicula estereótipos e preconceitos contra o negro e o universo africano, constituindo assim flagrante inobservância das normas estabelecidas.
O atual presidente Lula, em seu começo de mandato, evidenciou, no campo da educação, a importância do combate ao racismo, promulgando a Lei 10.639/03, que, como já mencionado, alterou a LDB, tornando obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileiras na Educação Básica. Tal alteração contou com a pronta atenção do CNE, que, sob responsabilidade da conselheira Petronilha Beatriz Goncalves e Silva, elaborou as Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino das Relações Étnico-Raciais e de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (CNE/CP 3/2004), cuja homologação foi assinada pelo então ministro da Educação, Tarso Genro. Contudo, embora conte com 83% de aprovação por parte da população e tenha ao longo de seu mandato visitado várias vezes o continente africano e discursado eloquentemente sobre a necessidade de reconhecimento do valor dos afrodescendentes na formação de nosso Estado Nacional, ele encerra seu mandato permitindo  um declínio acentuado na elaboração e na implementação de políticas anti-racistas no campo da educação.
Se em 2003 podíamos reconhecer, ainda que timidamente, o fato de o combate ao racismo fazer parte da agenda política brasileira; em 2010, devemos denunciar o descompromisso com essa luta. Descompromisso que pode ser percebido pela redução acentuada do orçamento para a educação das relações raciais, pelo enxugamento da equipe de trabalho da Coordenação Geral de Diversidade e Inclusão Educacional/SECAD/MEC, responsável pela implementação das ações de diversidade étnico-racial. Ainda vale ressaltar que houve a retirada do portal de diversidade da rede do MEC; a interrupção de publicações sobre o tema para a formação de profissionais da educação, pelo frágil apoio que das secretarias de educação para o cumprimento do proposto no parecer CNE/CP 3/2004. Essas constituem algumas referências negativas, entre várias outras apontadas pelos estudos sobre o tema.
Nós negros, cidadãs e cidadãos, que trabalhamos duramente longos anos para a eleição do presidente Lula esperávamos mais. Esperávamos mais tanto do presidente quanto da sua equipe executiva que administra a educação brasileira. Esperávamos minimamente que ao longo desses anos a equipe tivesse compreendido o alcance e o impacto do racismo em nossa sociedade. Esperávamos que eles, respeitando os princípios de justiça social, independentemente dos grupos no poder, emitissem manifestações veementes pelo combate ao racismo na educação. Pelo visto as promessas de parcerias e acolhimento das nossas considerações eram falsas.
O que temos como resposta, para além do silêncio de toda Secretaria de Educação, Alfabetização e Diversidade, é o posicionamento por parte do ministro, que não vê racismo na obra, colocando-se favorável à sua distribuição irrestrita, que, em companhia de outros elementos no cotidiano escolar, sabemos, contribuirá para a formação de novos indivíduos racistas, como já se fez no passado. Sem dúvida, o discurso do ministro mostra-se engajado com sua própria raça, classe e gênero. O mais irônico é saber que em pleno século XXI o Brasil será visto como um país que avança na economia e retrocede nos direitos humanos da população negra.
Muitos admiram Monteiro Lobato. Eu admiro Luiz Gama que se valeu das páginas da imprensa em defesa da liberdade dos escravizados e disse, sintetizando nossa ainda atual resistência cotidiana: “Em verdade vos digo aqui, afrontando a lei, que todo o escravo que assassina o seu senhor, pratica um ato de legítima defesa”. O conhecimento é a arma que dispomos para lutar pela defesa de nossa história, nossa existência, bem como do futuro de nossos filhos e filhas. Essa é uma luta desigual, portanto desonesta. Mas ainda que muitos queiram nosso silêncio, seguiremos lutando e denunciando essa forma perversa de racismo que perdura na sociedade brasileira.



* Eliane Cavalleiro é educadora, professora da Universidade de Brasília (UnB), escritora, autora dos livros ‘Racismo a Anti-Racismo na Educação: Repensando Nossa Escola’ e ‘Do Silêncio do Lar ao Silêncio da Escola’. É presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros.
[1] Tal obra foi selecionada pelo Programa Nacional Biblioteca na Escola/2010, que objetiva a “seleção de obras de apoio pedagógico destinadas a subsidiar teórica e metodologicamente os docentes no desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem nos respectivos campos disciplinares, áreas do conhecimento e etapas/modalidades da educação básica” (Brasil. Edital PNBE 2010. Brasília: MEC/FNDE, 2010).
[2] Agência Brasil. Pesquisadora aponta retrocesso na política de combate ao racismo nas escolas. Disponível em: http://verdesmares.globo.com/v3/canais/noticias.asp?codigo=216721&modulo=450. Acessado em: novembro de 2010.

Fonte:  Recebido por e-mail, visto no portal Geledés e autorizado a publicação aqui pela própria Eliane Cavalleiro.