Virgens juramentadas da Albânia

28 de dezembro de 2012


"Sworn Virgem" (Virgens juramentadas) é o termo dado a uma mulher biológica nos Balcãs, que escolhe, geralmente em uma idade precoce, assumir uma identidade social de um homem para a vida.
 

Como uma tradição que data de centenas de anos, isso era necessário em sociedades que viviam dentro clãs tribais, seguindo o Kanun, um código arcaico de leis, que mantinha um regime opressivo sobre o gênero feminino. 




O Kanun afirma que as mulheres são consideradas propriedade de seus maridos. A liberdade de votar, dirigir, realizar negócios, ganhar dinheiro, beber, fumar, jurar, ter uma arma ou vestir calças era tradicionalmente um domínio exclusivo dos homens. As jovens meninas eram comumente forçadas a casamentos arranjados, muitas vezes com homens muito mais velhos nas aldeias distantes.


Como alternativa, tornando-se uma Virgem juramentada, ou "burnesha”, elevava a mulher ao status de um homem e lhe concedia todos os direitos e privilégios da população masculina. Para manifestar a transição cada uma mulher cortava o cabelo, vestia roupa masculina e às vezes até mudava seu nome. Gestos masculinos e arrogantes eram praticadas até se tornassem uma segunda natureza. O mais importante de tudo, ela fez um voto de celibato para permanecer casta para a vida. Ela tornou-se "ele" .
 

Esta prática continua até hoje, mas com a modernização em direção às pequenas aldeias aninhadas nos Alpes, esta tradição arcaica é cada vez mais vista como obsoleta. Somente algumas idosas Virgens juramentadas” restaram. O número de novos casos são escassos e tendem a ser considerados menos autênticos pelas novas gerações.


Como um fotógrafo com um interesse em assuntos que falam naturalmente a diversidade da experiência humana eu fiquei fascinado com essa história. Eu queria capturar seus retratos antes de eles irem embora para sempre. Eu viajei para as aldeias de montanha do norte da Albânia e o que encontrei foi uma pequena coleção de pessoas extraordinárias. Eu aprendi que as Burnesha são muito respeitadas em suas comunidades. Elas possuem uma quantidade indescritível de força e orgulho, e valor da honra de suas famílias acima de tudo.
 


Sua transição absoluta é totalmente aceita, positiva e consentida, sem dúvida, pelas pessoas com quem convivem. Mas o mais surpreendente, é que elas têm poucos arrependimentos devido o grande acordo que tiveram que sacrificar.

Texto e Foto: Jill Peters

Ser-tão livre como o meu cabelo

4 de setembro de 2012


Ultimamente, aconteceram algumas situações comigo que, nossa, tem horas que agradeço pelas reflexões que me proporcionam. Umas três semanas atrás fiz um selante no meu cabelo, isto é, passei um produto que em tese diz que “alisa” ou “amacia” o cabelo. Sai do salão, tomei banho, resolvi usar o cabelo escovado, de lado. Fui para uma festa. Nessa festa, as pessoas comentaram: “visual novo”, etc. Para uma delas, eu perguntei:  

- Você gostou?
- Ficou muito feminina.
- Mas era essa a intenção. hahaha

Claro que minha resposta foi provocativa. Não tinha a intenção de ser feminina, mas acabou que foi essa a interpretação que meu cabelo passou. Mas e aí, qual é o problema em ser feminina? Percebi, isso não é de hoje, que “ser feminina” é o grande problema nessa nossa sociedade, inclusive, no meio gay. O meio gay, que em tese deveria ser um local em que as pessoas pudessem viver de forma livre seu gênero e sua sexualidade, é um local onde o preconceito, a discriminação e a violência (de gênero) ora se combate ora se reproduz. 

Isso não é difícil de ser constatado. As pessoas que rompem com o sexo biológico, no caso as/os travestis e transexuais, não são vistas como “bons” olhos pela sociedade e pelo meio gay. O fato de montarem seus corpos com próteses, roupas e adereços que não condizem com o sexo biológico que nasceram é, na visão de muitas pessoas, uma verdadeira “[trans]agressão”. 

O mais interessante nisso tudo é que, muitas vezes, não percebemos que o preconceito contra os gays não é pelo fato deles serem gays, ou ter uma orientação sexual distinta da “maioria”, mas pelo fato deles “parecerem” mulheres, isto é, de romperem com as expectativas de gênero (no caso, espera-se que sejam homens) e sexuais (logo, heteros). Por que ser mulher é tão ruim? Tão negativo? Tão feio? Por que um homem não pode ser mulher ou não pode “parecer” uma mulher? O que essas ideias revelam sobre o tipo de discriminação que mantemos contra gays e [mulheres] travestis e transexuais?

A educação de gênero que possuímos nas instituições sociais – escola, família, etc – visa à heterossexualidade (isso não sou eu quem diz, mas a Judith Butler e outras pessoas que estudam gênero). As pessoas são educadas para serem heterossexuais. Qualquer diferença desse objetivo é vista como “desvio”. E essas mesmas instituições atuam para “corrigir” esses “desvio”, mediante práticas que reestabeleçam a coerência de gênero. 

Assim, na sociedade (e eu abro sempre o parênteses sobre o meio gay), costuma-se discriminar as/as travestis e transexuais justamente por elas não demonstrarem a tal coerência de gênero: se nasceu como pênis, é masculino, é homem; se nasceu com vagina, é feminino, é mulher. Por  que o rompimento com a coerência de gênero provoca pânico

Porque, por um lado, introjetamos que o ideal é ser “hetero”, isto é, manter a coerência entre pênis-masculino-homem; vagina-feminino-mulher; Essa coerência demarca os seres que “importam”, como diz a Butler, e os seres “abjetos”, aqueles que são desprezíveis, que não podem existir, segundo essa ordem sexual e de gênero. Será que ao discriminarmos os gays ‘afeminados’ (as travestis e transexuais), zombando porque eles/as não aparentam essa “coerência” de gênero,  não estaríamos reproduzindo essa ordem heteronormativa?

Eu acredito que sim! Bem, já passou da hora, a meu ver, de todas as pessoas fazerem mais reflexões e críticas sobre gênero e sexualidade, principalmente, aquelas pessoas que se entendem como LGBT, para que não sejam reproduzidas acriticamente práticas de discriminação de gênero.

Atualmente, está em desenvolvimento críticas em relação a reprodução cultural dentro das culturas sexuais, demonstrando que elas se tornaram “homo-normativas”. Para ter status, ser bem visto/a, é preciso está dentro dos padrões de gênero, de sexualidade e de consumo, fora outros. Um desses aspectos diz respeito ao modelo de gênero que alguns gays americanos (entenda-se também brasileiros) adotaram há mais de uma década. A “hiper-masculinidade”, o gay “californiano”, aquilo que conhecemos como “Barbie” é o modelo de gênero atual de muit@s gays e outras pessoas

Se não é “Barbie”, se não tem músculos, se não fala grosso, se não tem uma performance “máscula”, é motivo de ser chamada de “passiva”,  de “afeminada”, de “bicha louca” – um modelo de gênero negativo, desvalorizado, desprestigiado. Mas por que será? Será que é porque as “bichas” deixam ser seguir o modelo de masculinidade valorizado? Ou será porque é o “feminino” que é feio?

Sem dúvidas, as duas coisas se relacionam. No entanto, eu estranho essa perspectiva, pois “todas as pessoas”, mesmo as mais másculas, podem ser interpeladas como “femininas” e podem ser tornar alvos de práticas de discriminação em razão do gênero ou da sexualidade. Afinal, essa discussão toda só serve para dizer isso: todo mundo está imerso/a em práticas de interpelação, em que se “cobra”, “pressiona”, “incentiva” que as pessoas “se mostrem homens e mulheres verdadeiros/as”. É por isso que ninguém escapa da interpelação de gênero, mas algumas pessoas por conta de seus rompimentos “visíveis” estão muito mais sujeitas a essas interpelações. 

Enfim...Claro que tem mais coisas. Estou apenas começando a interpretar algumas coisas, com base nas leituras que tenho feito. Não se trata de impor uma determinada visão de mundo, nem de “ser politicamente correto”. Afinal, não gosto (mesmo) dessas ideias. Eu gosto apenas de pensar e criar possibilidades para que outras pessoas também possam pensar. 

Voltando ao caso do meu cabelo, gosto da música "hair" da Lady Gaga, quando ela diz que quer ser tão livre como o seu cabelo. No meu caso, refletir sobre isso com a intenção de prestar mais atenção as práticas discriminatórias de gênero me faz mais livre!


O corpo sexuado e os nossos padrões

17 de julho de 2012




Nossa, esses últimos tempos, andei viajando literalmente pela Sociologia, Antropologia e História do Corpo. Está sendo muito bom. Estou repensando tantos conhecimentos. Sabe aquele lance construção, descontrução e reconstrução? Recomendo! Cheguei a reconstruir a história da educação do meu próprio corpo. Relembrei meu corpo na escola. Repensei meu corpo na vizinhança, na família, nos círculos de amizade, no mundo. Interpretei, e continuo percebendo, as marcas inscritas em meu corpo. Marcas culturais que coloca(ra)m e que eu coloco nele. Sim, se é o meu corpo, é melhor eu me pronunciar/marcar, antes de que qualquer um se aposse dele. Já estava reconstruindo...


Enfim....Foi e está sendo muito bom e prazeroso. Conhecer e interpretar o corpo, desse modo que estou fazendo, exige primeiramente reconhecer que o corpo é um fato social total (MAUSS, 1974), ou seja, que envolve dimensões biológicas, psicológicas e sociais. No entanto, como estamos falando em Sociologia, Antropologia e História do Corpo, o olhar está mais voltado não para a sua dimensão biológica (o corpo dado), mas para a sua dimensão social e política (o corpo como construção).


Já parou para pensar nisso? Não é muito difícil. Eu gosto de pensar como as diferenças são construídas. Distinguimos os corpos na cultura. Na cultura, eles ganham sentidos e significados, ou melhor, marcas culturais. Há corpos com marcas de classe, gênero, raça, sexualidade, geração, etc...Há uma infinidade de corpos, o que nos impede de pensarmos apenas no corpo, por exemplo. Além disso, geralmente, criamos uma hierarquia social dos corpos. Alguns corpos tem mais "valor, são mais bonitos, limpos, perfeitos" que outros. Em suma, as marcas corporais, produtos da natureza e/ou da cultura, constituem-se em sistemas de classificação e distinção, ligadas às relações de poder, que (re)produzem assimetrias, desigualdades, preconceitos, violências. 



Enfim, o corpo é cultural e político e, por isso, é também um corpo educado/educável. Somos educad@s desde pequen@s a construir nossos corpos de determinadas formas e dentro de determinados padrões. Somos recrutad@s pela indústria da publicidade, da moda, das cirurgias estéticas, entre outras, para que construamos nossos corpos dentro dessas normas que são consideradas normais/naturais: sadios, bonitos, magros para mulheres, musculosos para homens, etc. Mas não são tod@s que se homogenizam, se padronizam. Há corpos resistentes ao processo de homogenização social. Aqueles/as que, além/apesar de não se interessarem muito por esses assuntos, estão afim mesmo de serem diferentes. Afinal, não estaríamos tod@s nesse mundo, buscando a mesma coisa? Costumo observar muito as pessoas buscando ser diferentes, ter um jeito próprio, único, singular. Mas aqui está a questão 'etnocêntrica': por que só o nosso modo de ser e estar no mundo é o normal? Por que queremos que todas as pessoas sejam assim, ou assado? Por que temos e para quem servem nossos padrões? 



Em uma postagem anterior (ver aqui), falei sobre o processo de construção da identidade e sobre o quanto o "outro" é fundamental nisso.  A pergunta que sempre gosto de fazer é: negando o outro, sua cultura, seus saberes, suas diferenças, não estaríamos negando a nós mesmos? Tem gente que diz que sim...



Num sei responder. Só sei que é preciso pensar!


Abaixo os slides do seminário que apresentei sobre o capítulo "O corpo sexuado" do livro História do corpo: as mutações do olhar: o século XX (2008), de CORBIN, Alain et al (Orgs.). 







Aqui outra apresentação sobre o Corpo, da Professora Silvana Goellner.


Tirando a sexualidade do armário...

15 de julho de 2012



Sair do armário que é o babado! Trazer a sexualidade do privado, colocá-la no público.  Ressignificar o que é visto como normal e o que foi considerado anormal. Perceber que ninguém é normal. Entender que muitas coisas são construções culturais. Mudar o ponto de vista. Questionar o valor das palavras. Refletir sobre a importância das diferenças. Pensar na diferença sexual como uma construção social da realidade. Compreender a sexualidade como prazer, como vida, como política. Viver a sexualidade sem segredo. Fazer as subverções, feitas no privado, com mais frequência no público. Continuar vivendo, rompendo fronteiras pré-determinadas de sexo e sexualidade... @\o/@

O outro eu que me assombra...

11 de julho de 2012


É. Tantos assuntos, informações, teorizações. Dominar e incorporar discussões históricas sobre quem somos e o que nos tornamos não é uma tarefa tão comum. Comum mesmo é criar narrativas sobre quem somos, quem nos tornamos, sem fazer uma reflexão sobre o que já falaram que somos e nos tornamos. Sim, é importante saber também como nos construíram socialmente e, até mesmo, cientificamente. Sim, o mundo é um quadro em que escrevemos nele palavras. E palavras tem poder. Isso vocês lembram! São as palavras que representam o mundo, aliás, são as palavras que formam o mundo! O que você é? O que é a realidade? Só saberemos responder a isso recorrendo a linguagem. Por isso, é importante dizer que a linguagem não é uma prática social neutra. Ela já comporta significados e sentidos. Ideologias e discursos socialmente construidos. É por isso que tem se tornado frequente dizer que o sujeito é discurso: aquilo que falam dele e aquilo que ele fala dele mesmo! 


Nesse jogo talvez dialético da construção do sujeito (ou do eu), geralmente, esquemos o papel que o outro representa nessa história. Em tempos em que se discute a importância do reconhecimento da diferença, trazer o outro para a discussão do eu é fundamental, aliás, obrigatoriamente necessário. Compreendemos geralmente que o eu é algo original, distinto dos outros. Eu sou isso. Eu sou aquilo. Eu não sou assim. Isso. Eu não sou. Dizer que você é alguma coisa, necessariamente, implica dizer o que você não é. A identidade, portanto, é uma cadeia de negação de diferenças (Tomaz Tadeu da Silva, Stuart Hall e Outros). Se eu sou brasileiro, quer dizer que eu não sou inglês, europeu. Sacou? O eu só pode ser em relação ao outro. Eu e outro não são opostos, são interdependentes.

Pensar que a identidade se constitui na alteridade é, portanto, algo importante de ser refletido. O outro, embora não pareça, fornece os limites e as possibilidades para a construção do eu. O outro necessariamente faz parte do construção do eu. O outro é, geralmente, esquecido, parece que não faz parte do eu. É rejeitado. Mas essa rejeição não esconde o que está por trás do sujeito, mas o que internamente o constitui. O outro não é rejeitado apenas uma vez,  porque o processo de construção da identidade é interminável. O outro nos assombra constantemente. Ele nos constitui. Fornece as bases e sustenção para o eu. Ou seja, o processo de construção da identidade esconde/revela o que fazemos com a diferença, a gênese mais profunda e fundamental eu. A diferença então não é tão rejeitada, ela é incorporada como rejeição. Assim é o 'outro' outro que aparece ou é o 'outro' reprimido que nos assombra? Negando o 'outro' eu não estaria negando eu mesmo? O outro não seria eu?

Viagem, viagens, subjetividades...Reflexões sobre eu e o meu outro.

Será que fiz uma 'boa' lição de casa ou um início de uma reflexão sobre o meu 'outro eu'? (risos)

Qual é o projeto de gênero da sociedade?

10 de julho de 2012

Gênero. Sexualidade. Categorias. Divisão do mundo. Cisão do sujeito. Homem. Mulher. Outr@ ininteligível. Diferenças. Marcas culturais. Desigualdades. Privilégios. Poder. O vídeo abaixo é da Profª. Berenice Bento que discute sobre as relações e estruturas sociais de gênero, pensando sobre a educação e o projeto de gênero da sociedade. Segundo ela, é fundamental discutir as leis anti-discriminação, mas também é necessário repensar a socialização de meninos e meninas na sociedade.




"...Tem um outro lugar, muito bem protegido, fechado a sete chaves, que a gente precisa arrombar essa porta..." (Berenice Bento)

Aprender com o outro, o eu...

9 de julho de 2012



Essa vida é surpreendente. Apresenta-nos desafios e problemas. Mobiliza-nos a resolvê-los. Nesses últimos meses, estamos vivendo um momento de 'terapia familiar' aqui em casa. Meu tio que pode ser considerado 'um alcoolatra' (embora talvez não seja legal designar) despertou essa terapia. Ou seja, a diferença (ou aqueles/as que nomeamos como diferente - sim, desde cedo, entendo [pelos outros] meu tio como alguém diferente) propicia uma série de aprendizagens. Hoje, por exemplo, refletimos não somente sobre ele e sua condição. Fizemos uma reflexão sobre “nós”, sobre a nossa família, sobre a nossa maneira de olhar e compreender o mundo. Falamos de julgamento social, preconceitos, posições e papéis sociais (incluindo o papel da mãe e do pai na educação dos/as filhos/as), a pressão social em relação ao trabalho e a assunção da responsabilidade, a juventude e o que tem sido chamado pela mídia de ‘geração canguru’, problemas da infância, felicidades, bem, inúmeras outras coisas. 

Hoje, dormiremos mais conscientes de que não é preciso apenas compreender o outro, mas também é necessário, nesse processo e nessa vida, aprendemos a identificar nossas próprias características, nossas formas de pensar e agir e, talvez, pensar e adotar outras formas. Hoje sinto que crescemos mais na terapia. Aprendemos a nos olhar também. Aprendemos a identificar, talvez, possíveis formas de tratamento do Outro que não favorecem a sua própria “libertação”. Enfim, aprendemos alguma coisa. Tentaremos, então, diante disso, agir talvez de uma forma diferente da qual fizemos até agora. É um processo interminável. Sabe aquela fórmula da ação-reflexão-ação permanente? Pois é, algo assim. Hoje, pensamos que, talvez, ao invés de tentarmos resolver o 'problema do outro', de repente, precisamos (também) encarar e solucionar os nossos próprios problemas. É, aprendizagem é o lema da vida e o encontro com o Outro, além de empatia, acolhimento e quebra de preconceitos, é um processo que pode muito bem “mudar a gente mesmo”. E assim vamos vivendo e aprendendo...